quarta-feira, 13 de abril de 2011

Anjos das ruas


A cada despertar do dia e o correr de uma rotina urbana surge uma composição de buzinas mesclada com vozes de cidadãos de um espaço urbano por vezes sombrio. Em meio ao alvoroço sonoro de uma cidade, uma voz, um violão. Um acorde que toca pela esperança de dias melhores. A música tem se feito cada dia mais presente no dia-a-dia da cidade. Assim que ela toca, toma a atenção da exigente plateia que se forma aos poucos por pessoas que se distinguem por culturas, criações, cores, sexos e características, mas que se unem durante algum momento em prol de uma paixão ou um conforto que essa arte proporciona.
Uns buscam na rua uma forma de popularizar a música erudita, outros de mostrar seu talento e outros veem nessa exposição, uma forma de ganhar a vida. E é nessa última que se encaixa Seu Neco. 52 anos, poucas palavras e já com ar de artista. Recusa-se a deixar-se fotografar mas aceita trocar algumas palavras sobre seu trabalho. Com brilho nos olhos ele inicia dizendo que música sempre foi sua paixão. “Nunca pude estudar, mas sempre quis aprender. Ganhei um violão há muito tempo e isso é tudo o que eu sei fazer, tocar e cantar.”
De família pobre, “Seu Neco”, como se apresenta, mora na rua há mais de 20 anos. Segundo ele, nunca conseguiu se adaptar aos abrigos e não tem condições de pagar aluguel. “O que eu ganho aqui com meu violãozinho é o suficiente pra sobreviver. Eu gosto de mostrar que sei alguma coisa, assim as pessoas não me veem como inútil”. Seu Neco faz parte da estatística feita pela Fundação Instituto de Pesquisas Econômicas (FIPE) que mostra que cerca de 18 mil pessoas na cidade de São Paulo são moradoras de rua. E mais ainda, dos 84% desse número que representa a parte masculina da estatística.
Quando questionado sobre seu nome, ele diz, em meio a risadas, que é seu nome artístico. Era chamado de Neco pela família desde pequeno. “Diferente do Seu Jorge, o ‘Seu’ veio com a idade", ri. Ele diz ainda que não espera fama nem reconhecimento. “Fico feliz só com as pessoas ao meu redor me ouvindo”.
Seu Jorge é lembrado por ele como inspiração. Com história semelhante a de Seu Neco, está entre os atuais cantores e compositores de MPB e samba de maior sucesso no Brasil. Nasceu em uma família pobre, morava e favela e ao decidir ganhar a vida como músico, teve que sair de casa. Passou pela casa do tio – que o recriminou pela sua decisão – por pensões e acabou indo morar na rua. Depois de viver 3 anos na vida moribunda e sonhadora, Jorge Mario da Silva – seu verdadeiro nome - foi convidado a fazer um teste para se apresentar em um musical. E é aí que sua vida de músico finalmente se inicia rumo ao sucesso.
Foram 7 anos na rua até que conseguiu se estabelecer com apenas o talento e a determinação para concretizar o sonho. Apesar de todas as dificuldades que enfrentou Seu Jorge nunca se deixou abater. “Acredito na dignidade e integridade da educação familiar. Eu acredito em Deus e na qualidade do investimento do talento do ser humano. Se você investir a coisa pinta e você pode imprimir”, diz.
Diferente de Seu Neco, o “Seu” adotado no nome artístico não veio com a idade. Com 41 anos e com ar jovial, essa parte do nome foi pensada para manter uma proximidade para com o público fã de seu trabalho. “Seu de Seu, não é de Senhor - Seu amigo, Seu camarada. Oh, Meu! Assim como o povão fala”, brinca ele.
Seu Jorge é uma prova de que sonhos sempre alimentam esperanças e determinação. A arte na rua cresce a cada dia e revela talentos inesperados de gente que faz o que mais ama. “E é esse o propósito da música. Transmitir sentimentos de pessoas aos seus semelhantes. Ela nos inspira, nos aquece, nos faz repensar sentidos pra sorrir e pra viver” declara Pablo Silva, 22, estudante e grande fã de Seu Jorge.
“Eu acredito sim que há muita gente nas ruas esperando apenas uma oportunidade e o reconhecimento pelo que faz.”, diz. “O que acontece é que há muito preconceito na sociedade em que vivemos e muitas dessas pessoas jamais serão vistas mesmo que tenham grandes talentos. Por isso, pra mim, Seu Jorge é, antes de tudo, um guerreiro”.
A música feita na rua é tida como uma das maiores formas de expressão atualmente. É aquela que não vê grandes interesses nem promoções. Apenas está ali para promover alegria dos que se deixam tomar pelo mecanismo e tédio do dia-a-dia. Em geral, não se preocupa em tocar em todas nas rádios, ser conhecida por sua letra e melodia pobres e também não produzem efeito imoral.
E que seja assim todos os dias. Ao despertar de uma cidade, ao som de uma buzina, surja uma sucessão de sons e silêncio organizada ao longo do tempo. Surja um acorde, uma voz, uma paixão.

quinta-feira, 18 de novembro de 2010

Uma indignação pessoal

Finalmente a música brasileira parece ter chegado ao auge do absurdo. Depois de longos processos e transformações para construir uma geração do rock e da mpb que consagrou bandas e cantores excepcionais como Os mutantes, Caetano Veloso e Chico Buarque, assistimos da plateia ao show de Restart. A banda colorida, que compõe músicas de dois ou três acordes, num ritmo de pop, se autodenomina rock e arrasta milhares de crianças e adolescentes aos shows levados por uma histeria sem tamanho. E é aqui que me questiono: a que ponto chegamos?
O que antes era apresentado ao público por festivais de músicas promovidos pelas emissoras e tv e rádio, hoje é bancado pelo pai da criança que um dia sonha ser o "rockstar". E aí inundam o mercado musical com músicas pobres harmonicamente, adotam um estilo - que é copiado entre os adolescentes - e faturam milhares de reais sem saberem o que é realmente fazer e estudar música. Além disso, plagiam muitas vezes, aquilo que mais se dá valor quando se trata de Brasil: a música internacional.
Mesmo com tanta riqueza cultural e musical dentro do Brasil, as pessoas insistem em colocar no patamar mais elevado apenas aquilo que "vem de fora". O estrangeiro, cantado em outra língua, produzido a partir de uma cultura e uma história que não as pertence. Sim, é assim que grande parte dos brasileiros se comporta.
De acordo com o cantor e compositor Caetano Veloso, acreditar que o país não é capaz de produzir música de qualidade, é uma atitude fraca e covarde. "Isso é o seguinte: horror em admitir que o Brasil existe, e que há uma organicidade histórica brasileira que se dá, e que não pode ser submetida aos automatismos da mente colonizada.", diz. "Faz parte de não se ter uma mente colonizada não temer a presença, inclusive predominante, da cultura colonizadora internacional dominante, que é norte-americana. Mas isso não significa que você tem que se suicidar todos os dias e dizer que a sua vida não vale, que só vale de verdade a vida dos americanos. Porque o conteúdo por trás de tudo isso é este. Isso eu não admito". indigna-se.
Vivemos hoje em um país que respira a cultura que não é nossa. E isso não poderia deixar de ser refletido na música. Muitos supervalorizam músicas internacionais e se utilizam de bandas como Restart para fundamentarem seu argumento de que a música brasileira não presta. Esquecem que Elis Regina, Tom Jobim a atualmente, Maria Gadu são frutos brasileiros.
Compreensível a indignação quando se vê Restart em primeiro lugar na lista das mais pedidas em canais de televisão e rádio. Compreensível quando se vê tal banda ganhar 5prêmios seguidos em um evento de música que elege melhor clipe, melhor música, melhor banda entre outros. E não concorrem com bandas com o mesmo nível, concorrem com bandas que tocam há 15, 20 anos e que construíram sua música, sua fama e conquistaram seus fãs. Não os compraram com sua música pobre e um estilo de se vestir. Não tiveram pai para comprar um produtor.
Há pouco investimento no que há de novo. Novas e independentes bandas, com estilos inovadores e inteligência nas letras. A atenção de produtores e gravadoras está sempre voltada para aquilo que se repete incansavelmente e que atinge um público musicalmente pobre. Trazem à fama apenas um estilo convencional de bandas teens que permanecem em grande produção por 2 ou 3 anos. Até que apareça a próxima, lance um novo estilo de roupa e cabelo a serem copiados.
Há uma decadência sim na música brasileira atual quando se fala das paradas de sucesso, mas ela não pode ser percebida quando se fala da produção propriamente dita. Há muita produção de qualidade dentro do nosso país que muitas vezes não percebemos ou encontramos. Há bandas e cantores que esperam ser notados por seu talento. E repito, há muita música boa no Brasil, o que não sabemos é procurar ou filtrar aquilo que chega até nós. Porque enquanto Restart estiver em primeiro lugar nas "mais pedidas", o público pobre que torna isso possível, jamais será capaz de perceber a qualidade nestes cantores e bandas que não fazem sucesso... ainda.

quarta-feira, 18 de agosto de 2010

Um momento para um sorriso.


De todas as maiores riquezas do mundo a que mais contagia é o bom humor. Ele está nos pequenos gestos otimistas e nas formas como você vê o mundo e as coisas. Se o mundo fosse menos sério e as pessoas se preocupassem menos com o que as demais pensam sobre elas, certamente a tristeza e a angústia perderiam espaço. Ter medo de ser feliz é a maior crueldade que alguém pode cometer contra si mesmo. E não falo sobre irreverência porque ela não cabe em todas as situações. Falo apenas sobre pequenos gestos que podem promover a alegria alheia porque não pode existir alegria maior do que concretizar a de alguém. Não há nada mais valioso do que o som de uma gargalhada ou o brilho nos olhos de alguém acompanhado de um sorriso por algo que você fez ou disse.
As pessoas perdem muito tempo tentando descobrir o caminho para a felicidade por meio de coisas vazias e banais e nem sequer param pra pensar na grandiosidade do que possuem e de quem têm ao lado delas. Não conseguem ver que a felicidade está nas pequenas e simples conquistas diárias. Deixam de perceber a beleza do céu quando o sol nasce e quando ele se põe anunciando a magnífica lua. Deixam de perceber os pássaros cantarolando e novas flores colorindo o ambiente.
Outras são tão presas a rotinas e tradições que não notam que a constância de suas ações as torna mecânicas. Têm tanto medo de envelhecer que deixam de aprender que a vida é composta por fases e a velhice talvez seja a mais encantadora por ser tão repleta de lembranças e aprendizados.
Vivem tão limitadas de sentimentos que nem se lembram quando foi a última vez que sentiu que era feliz de verdade ou talvez nunca tenha parado pra pensar se tudo o que faz traz a ela algum motivo pra sorrir.
De fato, vivem melhor as pessoas que sorriem independente do que lhes acontece. Que entendem que problemas são inevitáveis ao crescimento e amadurecimento humano e sabem que eles passam e dão lugares a novos. Entendem que amigos são imprescindíveis à felicidade completa na vida. Com eles você teve e ainda terá seus momentos irreverentes, suas gargalhadas, suas mais belas conquistas e seu egoísmo anulado. Viver melhor é sinônimo de tornar alegre aquilo que se apresenta triste. Esqueça tudo o que te disseram sobre amores frustrados, falsas amizades e problemas inacabáveis. Esqueça um pouco a sociedade capitalista em que você vive para prestar atenção na paisagem humana que você presencia todos os dias. No ar que você respira, na casa que você mora, na família que você tem. Perceba quantas coisas e pessoas valiosas você tem na vida e que muitas outras pessoas não tiveram oportunidade de ter. Corra atrás de quem você esqueceu. Perdoe quem um dia te magoou. Ame quem nunca demonstrou um gesto de carinho por você. Muitas vezes pessoas solitárias limitam-se a um mundo pobre e carente de belos sentimentos porque nunca sentiu que alguém realmente a amava. Esqueça todas as suas frustrações enquanto lê, enquanto canta, enquanto dança em frente ao espelho, enquanto assiste TV. Esqueça tudo o que te impediu de ser feliz.
Esqueça se te disseram que verdadeiros amores não existem. Certas mentiras são tão freqüentes que te fazem acreditar nas coisas mais absurdas. Só o tempo será capaz de te convencer que, enquanto existirem pessoas que procuram alguém que as ame de verdade, existirá um impaciente alguém desejando amar e ter um motivo a mais pra sorrir. Sim, um motivo a mais. Se você não foi capaz de sorrir até agora com tudo que conquistou e com todas as pessoas que conheceu, não espere que um amor faça isso por você. Sua felicidade não pode existir em função de outra pessoa. Ela deve existir dentro de você. Uma pessoa só se torna capaz de amar e ser feliz quando descobre seu valor.
Mais do que palavras, ela é simples e penetrante. A felicidade está do seu lado esperando que você a perceba e a transmita com o seu sorriso.

terça-feira, 3 de agosto de 2010

MTST: A busca pelo direito à moradia

Eles são da classe média baixa e sobrevivem por meio de trabalhos informais. Não tiveram acesso a uma graduação nem sequer um nível considerável de escolaridade. São em sua grande parte analfabetos e buscam o direito à moradia que lhes é assegurado por lei. Trabalhadores que lutam por uma condição de vida digna. São os “sem-teto”.
Segundo a Fundação Instituto de Pesquisas Econômicas (FIPE), cerca de 18.000 pessoas hoje moram na rua em São Paulo. Destes, 84% são homens com idade média de 40 anos. Com o fim de amenizar essa situação, foi criado o MTST (movimento dos trabalhadores sem-teto) que conta com a colaboração de muitos profissionais para funcionar. Suas ações acontecem em datas previamente estudadas e consistem em ocupar prédios abandonados na cidade. Estes são prédios privados que não estão ativos e que não estão propensos a desabamentos.
O movimento que cresce a cada dia na cidade de São Paulo tomou grande dimensão quando começou a ser organizado e difundido.
Seus integrantes são previamente cadastrados pelo Movimento e devem comparecer às reuniões geralmente realizadas em salões de igrejas para conscientização de seus direitos e planejamento de suas ações.
Muitas vezes estas ações são impedidas por policiais uma vez que são ilegais. Mas contam com ajuda de advogados e profissionais do meio judicial, voluntários do Movimento. Após 24h de ocupação do prédio, o advogado (voluntário) encarregado do caso juntamente com mais um organizador vão até a delegacia para requererem a posse do prédio pelos desabrigados. A maioria das vezes com sucesso, a causa é vencida pelos, agora, ex-moradores de rua. A caixa econômica federal é a responsável por financiar os apartamentos em prestações a serem pagas em vinte anos e com baixo custo o que torna acessível a compra pelos então moradores.
A cada dia o Movimento dos Trabalhadores Sem-Teto cresce e se torna mais visível. Apesar de suas ações serem de início, ilegais e um tanto perigosas, é a maneira que o Movimento encontrou de proporcionar aos moradores de rua da cidade de São Paulo uma melhor qualidade de vida.
Prometido por políticos e tampouco esquecido, o direito à moradia é assegurado a todo cidadão comum e ousadamente exigido pelo Movimento dos trabalhadores sem-teto criado com este fim.

domingo, 1 de agosto de 2010

Instrospecção.

E eu quero algo que vá além do que estamos acostumados, algo que atinja todos os limites ainda não atingidos. Quero que os sonhos mais loucos sejam os meus e que tudo que fuja aos padrões comportamentais pertença a mim. Quero ser a rebelde e quero ser a estranha.
Quero falar, discutir, quero lutar, quero dançar no meio da guerra, quero cantar quando houver silêncio. Quero o absurdo e o improvável. Quero me calar quando todos falarem e quero amar acima de tudo.
Quero ter grandes projetos, quero ser bem-sucedida no que fizer, quero dar risada quando não puder e quero persistir quando tudo der errado. Quero quebrar a monotonia, quero me impor, quero sonhar.
Quero ser a diferente no meio dos iguais e a louca no meio dos metodológicos e ritualistas. Quero fazer história, quero ficar marcada. Porque nenhum grande nome seja na história, na moda ou na música que permaneceu por ser bom, foi o contrário disso.


[almejando o revolucionário!]


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quinta-feira, 17 de junho de 2010

E só parecia.

Parecia conhecer
e não conhecia e não sabia e não via.
Parecia gostar
e gostava e elogiava e se importava e falava.
Parecia ser diferente
e não era e estava longe de ser.
Parecia ainda mais. Parecia apaixonar
e não apaixonava e conquistava e não sentia.
Parecia sentir saudades
e não sentia e não sentia nada.
Parecia lembrar. Parecia querer
e só parecia.
Não parecia amar
e não amava mesmo.
E ela sentia. Ela gostava. Ela precisava.
Parecia ilusão
E era. A pior delas. Era.
Talvez gostasse. Talvez sentisse alguma diferença.
Ou talvez só tivesse medo de estar sozinha. E estava. E sempre esteve. Sozinha todo o tempo. Mas a solidão dela tem tempo. Vai acabar.
A dele vai permanecer. Porque nele existe um vazio que ele próprio desconhece. E que a sua ignorância jamais permitirá que conheça.

domingo, 23 de maio de 2010

(In)saciável.


Em meio ao barulho ensurdecedor dos raios e trovões, eu me encolhi, apertei os olhos com força e me abracei sozinha..sozinha mais uma vez! Aquela noite fantasmagórica parecia não ter mais fim. Assombrada pelas minhas idéias quase loucas, eu permanecia a me questionar onde você poderia estar, e com quem estaria se não era comigo. Aliás, onde anda você? Há quanto tempo não nos encontramos? O que anda fazendo de tão importante a ponto de me esquecer aqui no meio de toda essa insanidade? É complicado te entender quando se vive em um mundo de miséria. E mais do que miséria financeira, miséria de compaixão e de carinho, tudo isso que você dissemina. Toda essa escuridão e esse barulho sombrio, só me trazem o que há de ruim. Que mundo é esse que os que andam com você são tachados de loucos? Você na teoria é tão fácil, por que na prática falha tanto? Quanta incoerência!
Estou lhe escrevendo num ato de desespero, acredite! Na verdade, escrevo pra lhe alertar também. Estão usando muito o seu nome em vão por aí. Já me falaram sobre você algumas vezes e o pior foi que mesmo te conhecendo tanto, eu caí. Caí na minha carência e na solidão que ansiavam por você. Parecia ser insaciável a vontade de te ter aqui; viciante. Não sei se te conheço quanto digo, mas talvez saiba que você não está presente no meio de duas pessoas estranhas que acabaram de se conhecer por um meio virtual ou pessoalmente. Parece tão insuficiente.
Eu vejo a falsidade e a mentira se disseminando disfarçadas pelo seu nome todos os dias. Eu vejo a loucura se solidificando. Eu vejo a inveja, o ciúmes exacerbado, o desejo de posse. Eu vejo a fome todos os dias, eu vejo a ignorância se propagando como praga que se alimenta do carinho e o deixa às migalhas. Eu vejo uma multidão de pessoas sendo escravizadas pelo vazio que toda essa sociedade hipócrita e egoísta deixa. E eu os vejo marchando em direção ao fim. Em direção à miséria e ao desafeto. Insanos, isolados e cegos! Cegos porque um dia se deixaram cegar por uma ambição e um descontrole sentimental. E então declaro guerra! Guerra à mentira que se impõe sorrateiramente entre as pessoas! Guerra ao desprezo! Mas não uma guerra com armas e qualquer coisa que possa ferir, guerra vista como doença que só se cura com a sua presença. Sinto meu peito apertar toda vez que vejo homens tratados como cachorros vivendo do resto de alguém que, desce momentaneamente do poderio que desigualmente lhe foi concedido, e se sensibiliza ao dar-lhe o que comer. Sinto nojo. Não destes homens. Mas daqueles que sagazmente se dizem à disposição de governar o mundo que vivemos. Destes sim, meu maior nojo. Prometem, falam, iludem. E no cair do dia, enchem seus bolsos com o dinheiro que não lhes pertence para alimentarem sua ambição e seu reinado que lhes custará caro um dia.
Enquanto os reis dormem em seus castelos, os súditos de um mundo insano dormem não em abrigos nem casas simplórias, mas na rua. Palco da pobreza e da violência que se torna cada dia mais comum. Reflexo claro de um mundo injusto. Reflexo do descaso e da imoralidade. Desamor. Enquanto os mesmos reis vivem da morte de seu caráter, os súditos vivem da morte da esperança e dos sonhos que foram proibidos de sonhar. Sonhos comprados. Sonhos roubados. Sonhos esquecidos. Que alimentam a vontade de viver e não se conformam em deixar apenas sobreviver. Trazem consigo a mais doce e inestimável felicidade. Constante. Contagiante. Desconhecida. Algumas pessoas fingem encontrá-la no que menos se tem de valor no mundo, mas coisas que são cegamente perseguidas: o dinheiro, a fama. Enganadas por uma aclamação passageira, as pessoas se perdem no seu egoísmo e na sua ambição sem perceber, ou pelo menos fingem. Você já deve ter uma noção de como está tudo por aqui. Às vezes sinto meu coração bater acelerado. Mas não é pelo que você me causa (infelizmente). Ele arde em raiva. Na indignação com tudo isso que vivo. Com tudo o que vejo. Não foi isso que você me ensinou, não foi isso que eu quis viver. Mas acredito que estou aqui em missão. Para falar de você, pra ensinar o pouco que sei, pra agir como alguém que não vive em função de outra coisa senão por você e por quem te criou. É desespero sim, então, por favor, atenda o meu único pedido: VOLTA! Volta para o meu mundo. Volta e nos assiste com tudo que pode nos ensinar e nos oferecer. Estamos carentes mais do que nunca da sua presença. Volta amor, volta logo. Faz-nos sentir a sua presença como nunca. Você é o sentimento mais valioso que pode existir, mas é o que mais nos falta. Continuo a me contorcer na cama com os pensamentos que não cessam e que só me agonizam. Permaneço com os olhos fechados, ainda ouvindo os estrondos apavorantes dos trovões que parecem ecoar na alma. Espero o sono chegar. E espero que ao dormir, meus sonhos me tragam a paz que não tive durante o tempo que esses pensamentos me passaram pela cabeça. Espero que eles me tragam a solução, o conforto, me tragam você. Ei, amor. Volta logo.