Finalmente a música brasileira parece ter chegado ao auge do absurdo. Depois de longos processos e transformações para construir uma geração do rock e da mpb que consagrou bandas e cantores excepcionais como Os mutantes, Caetano Veloso e Chico Buarque, assistimos da plateia ao show de Restart. A banda colorida, que compõe músicas de dois ou três acordes, num ritmo de pop, se autodenomina rock e arrasta milhares de crianças e adolescentes aos shows levados por uma histeria sem tamanho. E é aqui que me questiono: a que ponto chegamos?
O que antes era apresentado ao público por festivais de músicas promovidos pelas emissoras e tv e rádio, hoje é bancado pelo pai da criança que um dia sonha ser o "rockstar". E aí inundam o mercado musical com músicas pobres harmonicamente, adotam um estilo - que é copiado entre os adolescentes - e faturam milhares de reais sem saberem o que é realmente fazer e estudar música. Além disso, plagiam muitas vezes, aquilo que mais se dá valor quando se trata de Brasil: a música internacional.
Mesmo com tanta riqueza cultural e musical dentro do Brasil, as pessoas insistem em colocar no patamar mais elevado apenas aquilo que "vem de fora". O estrangeiro, cantado em outra língua, produzido a partir de uma cultura e uma história que não as pertence. Sim, é assim que grande parte dos brasileiros se comporta.
De acordo com o cantor e compositor Caetano Veloso, acreditar que o país não é capaz de produzir música de qualidade, é uma atitude fraca e covarde. "Isso é o seguinte: horror em admitir que o Brasil existe, e que há uma organicidade histórica brasileira que se dá, e que não pode ser submetida aos automatismos da mente colonizada.", diz. "Faz parte de não se ter uma mente colonizada não temer a presença, inclusive predominante, da cultura colonizadora internacional dominante, que é norte-americana. Mas isso não significa que você tem que se suicidar todos os dias e dizer que a sua vida não vale, que só vale de verdade a vida dos americanos. Porque o conteúdo por trás de tudo isso é este. Isso eu não admito". indigna-se.
Vivemos hoje em um país que respira a cultura que não é nossa. E isso não poderia deixar de ser refletido na música. Muitos supervalorizam músicas internacionais e se utilizam de bandas como Restart para fundamentarem seu argumento de que a música brasileira não presta. Esquecem que Elis Regina, Tom Jobim a atualmente, Maria Gadu são frutos brasileiros.
Compreensível a indignação quando se vê Restart em primeiro lugar na lista das mais pedidas em canais de televisão e rádio. Compreensível quando se vê tal banda ganhar 5prêmios seguidos em um evento de música que elege melhor clipe, melhor música, melhor banda entre outros. E não concorrem com bandas com o mesmo nível, concorrem com bandas que tocam há 15, 20 anos e que construíram sua música, sua fama e conquistaram seus fãs. Não os compraram com sua música pobre e um estilo de se vestir. Não tiveram pai para comprar um produtor.
Há pouco investimento no que há de novo. Novas e independentes bandas, com estilos inovadores e inteligência nas letras. A atenção de produtores e gravadoras está sempre voltada para aquilo que se repete incansavelmente e que atinge um público musicalmente pobre. Trazem à fama apenas um estilo convencional de bandas teens que permanecem em grande produção por 2 ou 3 anos. Até que apareça a próxima, lance um novo estilo de roupa e cabelo a serem copiados.
Há uma decadência sim na música brasileira atual quando se fala das paradas de sucesso, mas ela não pode ser percebida quando se fala da produção propriamente dita. Há muita produção de qualidade dentro do nosso país que muitas vezes não percebemos ou encontramos. Há bandas e cantores que esperam ser notados por seu talento. E repito, há muita música boa no Brasil, o que não sabemos é procurar ou filtrar aquilo que chega até nós. Porque enquanto Restart estiver em primeiro lugar nas "mais pedidas", o público pobre que torna isso possível, jamais será capaz de perceber a qualidade nestes cantores e bandas que não fazem sucesso... ainda.